quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Esquizofrenia e o PPA - Mogi Guaçu - SP

No dia 14 de Outubro de 2.010, por  volta  das  19:30hs  meu irmão,  portador  de  esquizofrenia,  deu entrada  no  PPA  (Jardim Novo)  por  estar  em  crise (confusão mental,  agitação,  delírios).
Foi  atendido  pelo  Drº Neto,  que  ao  ser  informado de todo  o  histórico  do  paciente,  medicou-o, solicitou  que  o  mesmo  deitasse  numa  das  camas e    solicitou  vaga  em  hospital  psiquiátrico  através  da  central  de  vagas.  A  família  foi  comunicada  que  essa  vaga  provavelmente  sairia  na  sexta-feira  de  manhã, mas a ambulância  só poderia  sair  na  sexta-feira  à  noite (após  as 19:30hs).
Como meu irmão estava  impaciente,  agitado  e  com  medo de  agressividade  a  Guarda  Municipal  o  restringiu (amarrou-o  na  cama). Portanto  caso a  vaga  saísse, o  paciente  ficaria “amarrado”  e  exposto no PPA por  24  horas.
         As  horas  foram  passando,  o  paciente  contido, medicamentos  e  mais  medicamentos, nada  de  alimentação, meu  irmão pálido,  suando  muito,  ofegante, etc., e  aguardando  o  dia  amanhecer  para  saber  se  a  vaga  para  internação  estaria  disponível.
         Por  volta  das 2:20 da  manhã, há  7  horas  nessa  agonia,  meu  irmão  conseguiu  libertar  das  amarras  e  fugiu  do PPA.  Tentei  segurá-lo, gritei  para  as  auxiliares  de  enfermagem  me  ajudarem  e  elas, sem levantar da  cadeira onde estavam sentadas  e  olhando  o  catálogo  da AVON, responderam  que  não  é  função  delas ajudarem  a  conter  pacientes  e  que  eu  deveria  chamar  a  Guarda  Municipal.                Como  eu  poderia  tentar  segurá-lo  e  telefonar  para  a  GM?
        Meu  irmão  saiu  correndo,  dopado  de  medicamentos  e  eu  atrás.  Não  conseguindo  alcançá-lo  acabei  perdendo-o  de  vista.
         Começou     uma  saga  em  busca  do meu irmão. Nós, irmãs e cunhado, procuramos  nas  casas  de  outros  familiares,  nas  ruas  da  cidade, nos  bares,  nas  margens  do  rio,  no Pronto Socorro, etc.
Não conseguindo  encontrá-lo  procuramos a Delegacia onde fomos  informados  que  a  família    poderia  registrar  a  ocorrência  por  desaparecimento  após  24 horas  e  que  o  PPA  é  que  deveria  registrar  a  fuga de  paciente  mas isto  não  havia  acontecido.
         O dia  amanheceu  e  procuramos o CAPS  onde  meu  irmão   faz  tratamento.  A  recepcionista  telefonou  ao  PPA  perguntando  se  meu  irmão  havia  retornado  ou  se  algum  desconhecido  havia  dado  entrada  naquela  unidade  de  saúde.
O recepcionista  do  PPA  informou  que  não  havia  paciente  com  aquele  nome  e  nenhuma  entrada  de  desconhecido.
Mais  tarde  viemos  a  saber  que  o  recepcionista  deu  essa  informação  sem  sair  da  recepção  e  sem  procurar  as  auxiliares  de  enfermagem, o  que  segundo  o  enfermeiro  não  é  obrigação  da  recepção  procurar  informações  na  sala  onde  os  pacientes  estão  em  observação.
         Continuamos  nossa  busca e  por  volta  das  14:30hs  não  tendo  mais  onde  procurar  ligamos  na Santa Casa, Pronto  Socorro e  PPA. Desta vez  a  recepcionista, um  pouco  mais  interessada, informou que a Guarda Municipal  havia  trazido  um  rapaz  desconhecido, com  problemas  mentais  que  fora  encontrado  numa  vala  do  cemitério do Jardim Novo.
Parece  engraçado,  se  não  fosse  terrível,  mas  com  a  troca  de  plantão (médicos ,auxiliares  e  recepcionistas) ninguém sabia  que  um  paciente  esquizofrênico,  em  crise  severa,  havia  fugido  dali  e  que esse  desconhecido  poderia  ser  ele.
         Nós, familiares, corremos  ao  PPA  e  nos  deparamos  com  a  pior  situação  em  que  um  ser  humano  pode  se  encontrar: meu  irmão  amarrado  na cama,  completamente  sujo  com  o  barro  do  cemitério, com as roupas  rasgadas, com  os  genitais  expostos,  com  ferimentos  pelo  corpo sem  terem  sido  limpos, com  sangramentos  em  vários  pontos  onde  as  veias  foram  “estouradas”  ao  injetar  medicamentos  e  para  completar  na  mesma  sala  com  mais  6  pacientes  e  acompanhantes. Isto é desumano, cruel, não percebemos ali nenhum sinal de respeito  ao  ser  humano.
         Conversando  com  as  auxiliares  de  enfermagem fomos  informadas  que  ele  estava  ali  desde  às  11horas  da  manhã, que foi  trazido  pelos Guardas  Municipais.     Vale  lembrar  que  as  11:40horas a  recepcionista  do  CAPS  telefonou  ao  PPA  e  foi  informada  que  não  havia  paciente  desconhecido  com  problemas  mentais.
         Foi  solicitado  que  aguardássemos  o  médico  e  depois  de  mais  ou  menos  40  minutos  ele  veio  falar  conosco  e  ficou  surpreso  ao  saber  que  aquele  paciente  havia  fugido  do  próprio  PPA  na  noite  anterior  e  não  havia  nenhuma  anotação  do  ocorrido.
         Começou-se  então  novamente  a  espera  pela  vaga  em  hospital  psiquiátrico.
Depois  de  3horas  de espera, meu irmão  continuava  amarrado, sujo  e  exposto, fomos  informados  que  a Central  de  Vagas  havia  fechado  e  como  não  conseguiu-se  a  vaga  somente  na segunda-feira  poderia  se  tentar  novamente, ou seja,  meu  irmão  ficaria mais  36 horas  naquela  agonia( sábado, domingo e a própria  segunda  pois  não  adianta  conseguir a vaga  durante  o dia pois a ambulância só pode  sair  as  19:30horas).
         Entramos  em  desespero, aquela  situação  não  poderia  continuar. Com a  ajuda  de  um  parente  próximo  entrou-se  em  contato  com  o  Sr. LUCIANO (SAÚDE) e  também  por  indicação  do  próprio  médico  do  PPA decidiu-se  que  irmão  ficaria  internado  no HOSPITAL  MUNICIPAL  até  surgir  uma  vaga  para  internação  em  H.Psiquiátrico. Mas  ele  teria  que  continuar  amarrado  devido  a  querer fugir. Suas  mãos  e  pés     estavam  completamente inchados  devido  as   amarras  e  como  ele  poderia  suportar  mais  36 horas  amarrado  e  receber  mais  medicamentos  se  até  esse  momento    havia  tomado  13 injeções??
         A  ambulância  levou-nos  ao  Hospital  Municipal  e finalmente  Deus  colocou  em  nosso  caminho  um  anjo  bom  e  acima  de  tudo  uma  profissional  competente. A enfermeira  quando  viu  o  paciente  disse  que  era  um  absurdo  terem  encaminhado  para  aquele  local  pois  ela não  tinha  médico  psiquiatra  de  plantão,  ele    havia  tomado  medicamentos   demais  e  como  ficaria  ali  por  tanto  tempo  amarrado  sem  condições  de  ao  menos  soltá-lo  para  dar  um   banho?  Pegou   sua   ficha  e  em  apenas  15  minutos  conseguiu  o  que  todos  da  equipe  do PPA não  tinha  conseguido:  meu  irmão  foi  encaminhado  para  uma  unidade  do  CAPS  que  diferentemente  de  MOGI  GUAÇU tem  o  acolhimento diurno  e  noturno,  onde  o  paciente  fica “internado”  enquanto  aguarda  uma  vaga  em Hospital Psiquiátrico.
       A  ambulância  levou-nos  até  este  município  onde  fomos  recebidos  com  educação, respeito  e  profissionalismo. O  médico  e  o  enfermeiro  foram  até  a  ambulância,  conversaram com  meu  irmão  e  ele  finalmente  foi  desamarrado,  caminhou  com  o  enfermeiro  e  do  lado  de  fora  do  banheiro  eu  podia  ouvir o  enfermeiro  falando  com  meu  irmão  com carinho  e  respeito: “ ei  lava  o  outro  pé vai  ficar  com  um    sujo  e  o  outro  limpo?  Lava  o  rosto! Etc”. Depois  do  banho  levaram-no  até  o  refeitório  onde  ele  após  dois  dias  recebeu  alimentação. Acreditem, mas  até  para  mim  e  meu  cunhado  foi  oferecido  alimentação!
Passamos  todo  o  ocorrido para  o  médico  e  também  falamos  sobre  a  doença  do  meu  irmão.  Saímos  de    deixando  meu  irmão  medicado,  limpo,  alimentado, em  confusão  mental  sim, mais  deitado  em  um  sofá  vendo  televisão.
       Agora  pensem comigo:  porque  MOGI  GUAÇU  não  tem um CAPS  que  ofereça  esse  mesmo  atendimento? A  cidade  não  comporta esse  atendimento? Como,  se  é  um  município  bem  maior do que aquele  onde  fomos   atendidos e  conseqüentemente  com  maior  arrecadação?  Porque  o  atendimento  no PPA  é  tão  frio  e  desumano  por  parte  das  auxiliares  de  enfermagem  com  as  quais  nos  deparamos?  Porque   a  ambulância    pode  sair  para  internar  os  pacientes  psiquiátricos  a  noite  se  os  mesmos  estão  em  crise   desde  a manhã?  Porque   os  doentes  mentais  em  crise  não  são  tratados  como  qualquer  outro  doente  que  são  internados  imediatamente  após  a  vaga?  Porque  médicos, enfermeiros  e  auxiliares  do  PPA  não  passam  todo  o ocorrido num  plantão  para  o  próximo  para  que  estes    fiquem  de  prontidão  diante  dos  casos  graves  ocorridos? Porque  um  paciente  em  crise  tão  séria  tem  que  ficar  no  PPA  aguardando  vaga  exposto  numa  sala  com  tantos  outros  pacientes  e  acompanhantes,  não  existe  uma  outra  sala  só para  esses  casos?  São tantas  as  minhas  perguntas  que  ficaria  aqui  escrevendo  por  dias  e  dias.
         Sei  que   meu  irmão  é  um  paciente  difícil  pois  quando  não  está  em  crise  recusa   as  medicações  e  travamos  uma  luta  diária  para  conseguir  medicá-lo  o  que  muitas  vezes  não  conseguimos,  mas  independente  de  seguir  um  tratamento  correto  ou  não  nos  momentos  de  crise  deverá  ser  tratado  com  respeito  e  dignidade.
         Finalmente  quero  agradecer  ao Dr. Neto  que  foi  o  primeiro  médico  que atendeu  meu  irmão  e  fez  tudo  que  lhe  foi  possível, a Guarda  Municipal que segundo  fiquei  sabendo tiveram  a  maior  dificuldade  em  tirá-lo  da  vala  no  cemitério  pois  ele  se  recusava  a  sair, ao  Senhor  Decio B. Souza  Mendes  que  conseguiu  com  o  Senhor  Luciano  que  meu  irmão  fosse  para  o H.Municipal, a  Enfermeira Lúcia  que  sabiamente  resolveu  o  problema  que  se  arrastava    dois  dias  em apenas  15  minutos, a todos: médicos, enfermeiros, auxiliares  e  funcionários  do CAPS  de  Casa  Branca  de  onde  meu  irmão  nem  precisou  ser encaminhado  para  H.Psiquiátrico  pois  em  10  dias  estava  ótimo  e    teve  alta  e  principalmente  a  Deus  que  deu  condições  a  meu  irmão  de  suportar  tudo  que  sofreu  e  conseguir  sair  de uma  crise  que  pensávamos  não  sairia nunca  mais.

Ana  Rita  S.L. Mello
Rita  I. de  Lima  Coqueiro
José  Carlos  Rangel  de  Mello

Um comentário:

  1. Infelizmente sei q é o meu tio a vítima desse descaso e péssimo atendimento dos "profissionais" do PPA, que não tiveram nenhum respeito pelo ser humano q ali estava. Muitos por desconhecerem a esquizofrenia a tratam como um caso de embriaguez ou uso de drogas. Às vezes isso ocorre por maldade, ou às vezes, como foi no caso do meu tio, por pura ignorancia. Obrigado, PPA de Mogi-guacu, pela vossa excelente capacidade profissional. E agora um sincero obrigado mãe, tia Ana e tio Zé pelo orgulho q sinto agora. Por terem agido como uma família e ajudado (como sempre fizeram) o JU. Apesar de estar tão longe vocês fizeram sentir-me feliz e orgulhoso por terem denunciado essa vergonha.Eu os amo muito. Hoje vou dormir como a muito tempo (uns 5 ou 10 anos talvez) não dormia: feliz e principalmente orgulhoso da família q tenho.Bjs a todos...
    JU: És a pessoa mais injustiçada q conheço, e mesmo assim consegue ter alegria pra viver e suportar essa dor... Tenho certeza q o Jorge deve ter orgulho da força e caracter do pai q tem, como eu tambem sempre tive de ti... Um abraço.
    Thiago Israel de Mello

    ResponderExcluir